A JUSTIÇA PRIVADA DA ARBITRAGEM
- cardozoadvocacia
- 30 de mai. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de jun. de 2023
A arbitragem é um meio de resolução alternativa de conflitos. Optando por esse instituto, as partes renunciam à possibilidade de utilização de um processo perante o Poder Judiciário e buscam peritos especializados nas câmaras de arbitragem para a resolução da lide.
Carlos Alberto Carmona (2009, p.15), um dos autores do anteprojeto da Lei de Arbitragem no Brasil (Lei 9.307/96), conceitua o instituto com precisão: “A arbitragem é uma técnica para a solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença judicial.”
Preceitua o art. 3º da lei 9.307/1996, que “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.” Assim como colacionado acima, o ajuste entre as partes do qual insurge o procedimento arbitral é denominado como convenção arbitral, que pode ser tanto compromisso arbitral quanto cláusula arbitral.
No primeiro é instituído a arbitragem após determinado conflito surgir a partir de uma relação jurídica, sendo assim, as partes convencionam que irão resolver a lide perante um Tribunal Arbitral, ao passo que na segunda espécie, as partes antes mesmo de haver um conflito, se adiantam e estabelecem que controvérsias oriundas daquela relação jurídica, isto é, um conflito futuro e incerto, serão resolvidas mediante procedimento arbitral; em ambas as hipóteses, conferindo poder ao árbitro escolhido para “dizer o direito”, novamente, conforme conceituação de Carlos Alberto Carmona, (2000, p.31): “É um mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um terceiro escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes.”
Sendo assim, far-se-á uma análise específica no que tange a cláusula compromissória, visto que a lide poderá se consumar ou não, de acordo com eventuais modificações nos aspectos pessoais ou materiais, fatores estes, que contribuem ativamente na questão ora examinada. Para o exame proposto, é de extrema importância entender de antemão as especificidades que contornam o instituto da cláusula arbitral inserta em um contrato.
Como já apontado, o art. 3º da Lei de Arbitragem traz como primazia de sua eficácia o consentimento inequívoco da parte, uma vez que a cláusula vem a se aperfeiçoar no instrumento, as partes renunciam ao juízo estatal de forma irrevogável. Ainda, concomitantemente com o consentimento, existem outros dois pilares que sustentam o propósito da arbitragem: de acordo com Camila Rezende Martins (2011, p.27), o contrato só produz efeitos entre as partes contratantes (princípio da relatividade dos contratos) e, segundo Joaquim Paiva Muniz (2020, p.70), a cláusula de arbitragem deve ser celebrada por escrito (serão tratados em momento próprio e com mais especificidades os pilares em comento).
Diante desses elementos, tanto a lei quanto a jurisprudência reconhecem como regra geral que a cláusula arbitral não pode ter seus efeitos estendidos a quem não consentiu para tanto.
Como abordado, um dos princípios aplicados é o princípio da relatividade dos contratos, isto é, o contrato vincula unicamente as partes contratantes, não beneficiando e nem prejudicando terceiros. A lição de Orlando Gomes (2007, p. 46) não se desvirtua e assevera que o “princípio da relatividade dos contratos diz respeito à sua eficácia (...) o que significa que seus efeitos se produzem exclusivamente entre as partes, não aproveitando nem prejudicando terceiros”.
Cite-se oportunamente ainda, Carlos Maximiliano (1996, p. 261), o qual aduz que “as obrigações, em regra, vinculam, apenas, os contratantes e os respectivos sucessores”. Aliado ao princípio da relatividade, é imperativo entender que a cláusula de arbitragem é regida também pelo princípio da autonomia, tema esse a muito já pacificado na jurisprudência e doutrinas, e decorre, também, expressamente do seu texto legal, no art. 8º, caput da lei de arbitragem (Lei 9.307/96):
Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.
Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.
Reforçando a autonomia reconhecida, é de se mencionar o entendimento de Fouchard, Gaillard e Goldman (1999, p. 198), que em suas palavras disciplinam: “what is traditionally meant by the autonomy of the arbitration agreement is its autonomy from the main contract in which it is found or to which it relates”.
Como apontado, na legislação nacional, a matéria foi regulada através da Lei 9.307/1996, que, em seu art. 8.º, assim estabelece a autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato e nesse mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem aplicando o entendimento de que eventual vicio no contrato não retira a eficácia e validade da cláusula, devendo a parte discutir esse suposto vicio no próprio tribunal arbitral.
Dessa forma, chega-se à inegável conclusão de que a cláusula arbitral exige para a sua perfeita consumação um inegável consentimento, ainda que seja tácito ou que dos atos das sociedades envolvidas se chegue a conclusão dessa vontade, isto é, atos conclusivos, que se traduz em um contrato a parte do próprio instrumento em que se encontra inserida, de modo que se o instrumento principal for objeto de discussão quanto a sua validade, execução ou qualquer outro elemento, a autonomia da cláusula não permite que o instituto seja suprimido por eventual vício nos outros subsídios do contrato. Isto é, a discussão da eficácia e validade de um contrato cujo contenha a cláusula, deverá ser discutido no próprio tribunal arbitral.
Henrique W. Cardozo
Advogado;
Pós-graduado em Direito Empresarial e Econômico pela Academia Brasileira de Direito Constitucional;
Pós-graduando em Direito e Processo Tributário pela Escola Legale;
Extensão em Recursos no Novo Código de Processo Civil pela Escola Legale;
Membro da Comissão de Direito Bancário do Paraná;
Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção do Paraná.
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